Nas asas da mente... "Que sensação estranha! Quando a sua voz me começou a chamar de volta ao mundo real, eu só queria continuar ali sentado, naquela sala de cinema vazia, estranhamente vazia, onde eu permanecia como único espectador, sentado geometricamente ao centro, de olhos fitados no ecrã, banhados por uma torrente de emoções que me confortavam o coração e aconchegavam a alma. Mas, infelizmente estava na hora de regressar, voltar de novo à terra, retornar ao ringue da luta, desta luta que travo diariamente com uma conhecida de há já algum tempo, que me consome, corrói a mente e o corpo, deixando-me por vezes prostrado perante os desafios mais importantes do meu dia-a-dia. Foi por causa desta já velha consumição que decidi começar a procurar, ou confirmar, no interior da minha “caixa de comando”, com ajuda profissional, as razões e causas da sua aparição. Descobri, quase por acaso, ou não, através de um artigo numa revista, dos poderes e maravilhas terapêuticas que a hipnoterapia poderia fazer no tratamento de distúrbios causados pela ansiedade. Logo a minha atenção ficou desperta para esta curiosidade, e quando vi um grande e cativante sorriso que espreitava na minha página do Facebook, não resisti e resolvi experimentar eu também, tentando assim expulsar de vez esta coisa interior. Comecei então por me apresentar naquela primeira entrevista, contando a minha história desde pequenino, tentando minuciosamente descrever em toda a minha existência os factos relevantes que pudessem ser tidos em conta na análise profissional da gestação deste distúrbio. Senti que se criou logo uma empatia na ligação, pelo menos da minha parte, pois no sentido inverso isso seria natural e profissionalmente de esperar. A sua simpatia irradiava confiança, e com a sua experiência e saber foi entrando no meu interior, prospectando os sinais que a pudessem ajudar a conduzir esta máquina até agora desconhecida, que se apresentava ali perante ela, desprotegidamente com falhas na sua centralina de comando, naquela viagem de regresso à estabilidade emocional. Nas primeiras vezes ainda resisti, involuntariamente, nos momentos do atravessamento da fronteira entre o consciente e o desconhecido, tentando racionalmente não entrar naquele submundo idealizado por mitos e crenças completamente idiotas e estúpidas, que nos fazem acreditar em histórias rocambolescas, em que homens cacarejam de olhos fechados, ou levitam sobre cadeiras num palco. Com a sua paciência, ela voltava a bater à porta e acabávamos por entrar. Nas primeiras incursões por aquele território, até agora virgem para mim, senti tudo e mais alguma coisa. Foi brutal, fique completamente atordoado com aquelas viagens interiores, e ainda agora não consigo encontrar os adjectivos adequados para as descrever, só sei que foi magnificamente intenso, apaziguador e profundo. Lembro-me da primeira incursão neste maravilhoso mundo interior que quando me foi pedido para imaginar uma luz intensamente brilhante e envolvente, na minha mente criou-se uma tonalidade rosa. Fiquei chocado com aquele acontecimento, pois rosa não era propriamente uma cor de minha preferência, e para mais, tendo em conta a sua associação a propósitos menos masculinos, me deixou aflito e receoso das consequências reveladoras desta aventura! Rapidamente avisei o projector mental que tinha que mudar de côr, e logo se projectou intensamente um azul, claro e brilhante, profundo, que me inundou de calma e permitiu que lentamente começasse a vaguear pelos meus corredores internos. Andava ainda um pouco anestesiado durante os dias que se seguiam, mas aos poucos, retomava ao meu estado de espírito anterior. Contudo, e como por milagre, aliviei o peso que carregava aos ombros nos últimos tempos, sentindo um alívio que ainda perdura. Este alívio começou quando numa das primeiras sessões em que, naquela magia mental, comecei a exorcizar os meus fantasmagóricos receios evaporando-os em balões lançados para o não-sei-onde. Ainda agora me vejo a encher os balões que maravilhosamente levavam para o éter todos aqueles sentimentos que me atormentavam o espírito. Foi-se o balão com o medo, seguindo-se os que carregavam a angústia, a raiva, o egoísmo, e mais uns tantos, que perfaziam uma interior fila negra formada junto ao peito, e que com grande satisfação os vi subir, elevarem-se no espaço e desaparecerem por fim no céu azul, o mesmo azul, mas tão claro e brilhante como eu nunca o tinha visto. Marcante foi igualmente a viagem feita ao centro de comando da mente. Começámos por passear através daqueles corredores até agora desconhecidos, mas ao mesmo tempo familiares, incrivelmente acessíveis no seu traçado lógico e funcional, e chegámos por fim ao nosso destino, uma porta fechada, de aspecto austero e robusto, na qual se podia ler numa placa, simétrica e geometricamente fixada, “Centro de Comando”. Receoso, baixei o puxador e abri aquela porta. Entrei, e olhei espantado para aquela quantidade de monitores, às cores, cheios de sinópticos, letrinhas amarelas que piscavam em fundos pretos, emanando avisos e alarmes por todos os lados. Associei rapidamente a um qualquer centro de comando de uma central eléctrica, equipado com a mais moderna tecnologia, só que, estranhamente vazia, sem ninguém sentado frente aos monitores, totalmente em funcionamento automático. Rapidamente procurei o monitor da ansiedade, e lá estava ele a piscar por todo o lado, com os alarmes todos ligados, e os avisadores todos no vermelho! Ora, cá está o caos, a origem desta desordem, pensei logo, quando, atónito olhava para toda aquela sinalética confusão. Entretanto, a sua voz perguntava-me o que via, e eu lá ia tentando descrever todo aquele cenário, tentando transmitir meticulosamente o que se passava naquela minha sala. Calma e cuidadosamente, fui instruído a desligar os botões que me pareciam mais importantes, primeiro os vermelhos e cintilantes, e depois rodando todos os potenciómetros do amarelo, tentando atingir o verde, côr por mim associada à conformidade e à ausência de perigo. Demorou um pouco a apaziguar toda aquela confusão, até desligar todos os sinais de alarme e advertência, e atingir o almejado estado de tranquilidade e calma. Fui também incumbido de comunicar às minhas tropas interiores, constituídas pelos órgãos, membros, músculos e outros peões, que a situação estava controlada, que estávamos numa missão de paz, tranquilidade e segurança. Esta foi uma missão plenamente conseguida, eficaz no controlo e domínio interior, em situações de maior ansiedade, de tal forma que até agora a utilizo com alguma frequência, sempre com resultados positivos e imediatos. Recordo igualmente uma outra experiência, em que sentado naquele sofá, equipado com uma manta vermelha para os viajantes mais friorentos, fizemos um breve passeio por uns jardins, prados e montes, para me encontrar com um desconhecido Sábio, futuro conselheiro e mestre apaziguador de medos e ansiedades. Assim, abri o portão de madeira, que dava acesso ao caminho que me levaria ao cume do pequeno monte, suavemente trilhado apesar do declive que foi necessário vencer para lá chegar. Concebi-o rodeado de plantas e pequenas árvores que o inundavam com um aroma suave e agradável, impelido por uma brisa envolvente e companheira, que de mão dada me ajudava a palmilhar aquele caminho sem esforço e cansaço. Ao chegar ao topo vi um pequeno banco, tal e qual aqueles bancos de jardim, onde nos sentávamos na adolescência com os pés em cima, para elevar o nosso ego numa qualquer conversa importante na ocasião. Estava eu ali sentado, pacientemente esperando a vinda da sapiente personagem, mas estranhamente só me apareciam figuras, que embora sendo importantes na minha vida, tal como a minha mulher ou o meu melhor amigo, não têm contudo, ainda, um superior estatuto, idêntico ao que me tinha sido pedido para imaginar. Mas, eis que ele chega, envolto numas vestes alaranjadas, descalço, mas seguro, qual figura de Dalai Lama, que simpaticamente se acercou de mim e me cumprimentou com uma pequena vénia, à qual eu respeitosamente retribui. Sentámo-nos naquele banco e por alguns momentos conversámos, eu, contando-lhe as razões que me levaram àquela estranha audiência, e da parte dele, essencialmente recordo as suas palavras de encorajamento, transmitindo força e reforços para a minha auto confiança, sinais que sempre fizeram parte de mim, mas que andavam um pouco apagados na minha personalidade, carcomidos pela erosão da vida. Por fim despedimo-nos, com um fraternal e forte abraço, como que reforçando as palavras anteriormente trocadas. Desci então o caminho, que em contagem decrescente me trouxe novamente à realidade. Numa outra sessão, daquelas que já estavam programadas para serem mais profundamente reveladoras das eventuais causas do meu distúrbio, fizemos uma viagem ao passado, parecendo uma cena de filme, na qual a mente vagueia por acontecimentos passados, e que marcadamente deixam rastos emocionais, que sem se saber afrontam a estabilidade no presente. Assim, lá fomos nós naquele regresso emocional, em que com cada número da contagem se abria uma cortina e eu espreitava de olhos cerrados a cena que se deparava no palco da mente, reconhecia os actores e as experiências anteriormente vividas, e no final corria a cortina escrutinando assim a sua importância para a peça que estava a encenar. Este teatro decorria célere até que estabilizou numa cena de infância, com cerca de 35 anos de distância, em que eu, menino ainda, reencontrei os meus pais quando passava férias numa estância termal com os meus tios que me acolheram na altura, dada a minha parental forçada separação, que obrigou a que durante 2 anos me deixassem aos seus cuidados. Aquele reencontro foi, talvez, a mais marcante das emoções que até a essa data eu terei vivido. Lembrei-me de quando eu revi a minha mãe e senti o seu abraço, um longo e terno abraço, ter chorado convulsivamente, em que todas aquelas lágrimas representavam uma amálgama de saudade, incompreensão e revolta de amor, pelo tempo em que estivemos separados. Senti nessa sessão que finalmente fiz as pazes com essa parte do meu passado, que sem eu me ter apercebido realmente, me marcou e feriu, com um arranhão que não sangrou mas que fez um hematoma inconscientemente presente. Quero também registar nestas memórias recentes, a sessão que certamente foi a mais violenta do ponto de vista emocional, e que constituiu a charneira de todos aqueles encontros de sexta-feira, dada a confirmação do marco de sofrimento. Nesse dia, e com algum receio da minha parte, pois já suspeitava do caminho a que aquela viagem me levaria, fui de novo convidado a regressar, e desta vez não a uma lembrança boa e positiva, mas a uma memória pesada e profundamente negativa. Penosamente, a minha mente vagueou até ao dia em que naquele hospital fui operado à minha perna, esquerda de nascença e de destino. Recordei o dia da operação, em que no trajecto entre a sala de cirurgia e a enfermaria chorei toda a minha raiva e desgosto agarrado às mãos reconfortantes, amigas, amantes e solidariamente maternais da minha mulher. Após esse dia toda a minha vida se alterou, felizmente não no seu rotineiro desenrolar, mas intrinsecamente na minha condição existencial, e como tal, se as marcas físicas perdurarão para sempre, as emocionais até agora existem, e não querendo ser pessimista, penso que inevitavelmente acompanharão as físicas até sempre. Ora, foi exactamente esta confirmação que obtive naquele planeado teste, em que efectivamente foi revelado o negativo da fotografia mais escura que perdura no álbum das conturbações da minha mente. Contudo, e voltando às nossas sessões, penso que fechei naquele dia as torneiras dos olhos, pois efectivamente, para além da dureza emocional, quase esgotante, em que aqueles nossos encontros se estavam a tornar, eram para um homem com raízes beirãs como eu, uma autêntica machadada na minha auto-estima, dadas as contínuas choradeiras em que naquele sofá se assistia! Assim, resolvi acabar estas breves crónicas, com o episódio mais agradável, profundamente bonito e reconfortante que me aconteceu ao longo das 10 sessões de terapia por mim realizadas, e com o qual dei o mote de abertura do relato destas jornadas. Foi de facto uma sessão bastante interessante, curiosa até, dado que ao me ser pedido para imaginar um filme feliz, daqueles que transbordam de boas e reconfortantes emoções, me levou para uma praia incrivelmente bonita e com um pôr-do-sol maravilhoso, incrivelmente brilhante e ameno. Nessa praia, eu e a minha mulher namorávamos, num romance mudo, intenso e apaixonado. Não trocávamos palavras nem frases estonteantes, mas comunicávamos apenas pelo tacto, por carícias e abraços, quentes e demorados, em que os beijos eram incrivelmente desenhados e saboreados sem limites nem pressas. Na minha vida real nunca vivi uma tarde nem uma paixão sumptuosamente iguais ao que tentei relatar, pois as sensações que quis descrever não são descritíveis, pelo menos por mim, tal a sua intensidade e arrebatadora profundidade, só mesmo possíveis no universo da imaginação. Daí que quando o gongo tocou para o regresso à realidade, eu me recusasse a sair dali e deixar aquele lugar e aquela companhia maravilhosos." J.R.
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Outubro 2023
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